terça-feira, 10 de julho de 2012

O por que de ficar nú...

Todo mundo me pergunta o por que fiquei nua numa peça de teatro em São Paulo ano passado. 
Todo mundo me pergunta qual foi a sensação.
Todo mundo me pergunta o que eu ganhei com isso. 
E quase todo mundo me chama de louca. 

Enfim.

Longe desse post ser uma justificativa aos curiosos de plantão, mas eu sei que alguns deles não perguntam por mal. Até porque não fiquei pelada sozinha. Mais uns quase 100 ou mais antropófagos dançaram nús comigo. 
E porque esse post só agora? Depois de meses? Acredito que todos nós agimos devido a algum impulso. Eu nunca tive vontade de falar sobre esse momento INCRÍVEL da minha vida aqui no blog (engraçado né). Agi devido a um impulso imagético, vindo de um colega da faculdade que postou a foto no nosso maravilhoso Zé Celso no facebook. Recordei daquele dia, surgiu um sorriso no rosto e eu tive vontade de escrever.

Final de Outubro de 2011, São Paulo, Bairro do Bexiga, Teatro Oficina, Macumba Antropófaga.
Eu tinha ido assistir o mesmo espetáculo no começo do mês e por um motivo ou outro não me juntei a galera pelada que encerrava o primeiro ato da peça. Vi tudo do segundo andar daquelas arquibancadas do teatro. Aquela imagem linda lá em baixo, com um monte de gente pelada, fazendo parte daquele grande espetáculo e aquela energia gigantesca vindo de quem partcipava do ritual, subindo as escadas, arquibancadas e indo até as pessoas impossibilitadas de chegar até o "terreiro" e a aquelas que simplismente optaram por não participar. Resumindo, voltei com uma cruz preta no meio da testa (linguagem antropófaga, rs) e uma promessa: se eu voltar, eu tiro a roupa. 

E daí que no final do mes eu voltei. Debaixo de uma chuva horrível e de um céu que predestinava o cancelamento da peça, voltei ao teatro oficina e naquele dia, tirei a roupa. É um ato muito maior do que simplismente tirar a roupa. E dificilmente alguém que não faz teatro ou que não tem essa paixão correndo pelas veias, vai entender o porque que eu (e mais alguns) ficamos nús perante uma multidão de gente dentro de um teatro. Primeiramente que a maioria das pessoas que estavam lá tinham no sangue esse fervor de que falo aqui (e se não tinham, até o final do espetáculo experimentaram um pouco,ou não). Segundo que o próprio espetáculo, em comemoração aos 50 anos do Teatro Oficina, pregava o Manifesto Antropófago de Oswald Andrade. Um dos grandes nomes da semana de 22, que se uniu com outros grandes nomes como Anita Malfatti e Mario de Andrade e juntos redescobriram o homem da modernidade brasileira. Oswald no seu intuito de redescobrir o homem, reinventar a arte, escreveu o Manifesto Antropófago, onde além de propor que nós somos bichos humanos iguais que "comemos a carne" do ser humano para absorver-mos dele sua inteligencia, disse: "O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido."

Diante dessa verdade (entendida perfeitamente por mim depois de muito estudo) , resolvi me livrar por um momento daquilo que me impedia de entrar em contato com o mundo exterior. Daquilo que me impedia de sentir aquela energia, daquele momento. Daquilo que me afastava da verdade. 
É claro, óbvio que nem todos pensavam assim. Dificilmente mais de 100 cabeças dançariam com o mesmo ideal. Mas o que importa foi o MEU porque. E como graça ou bonus dionisíaco, fui escolhida para representar Portugal em uma cena onde o Pai de Santo, o Padre, o Pastor, o cabeça da casa, Zé Celso, representou, desejou, a união entre palestinos e israelenses (e me falha a memória o nome do país o qual era proposto uma pacificação com Portugal). Ainda com roupa, senti que fui agraciada naquele momento. Seguei nas mãos daquele grande homem de teatro, dancei e desejei com ele. E a partir dali não me importava mais o tal pudor que nasce e de certa forma morre com a gente, a partir daquele momento eu era um bicho humano IGUAL a todos os outros que ali comigo estavam.
O que eu senti naqueles 30 ou mais minutos é completamente difícil de traduzir. Tento juntar as sensações do que é ser escolhida para representar um país em cena, dançar em plena macumba com Zé Celso e ainda ficar nua, integrante de um manifesto e o resultado é um sorriso no rosto. 
Estar ali, naquele teatro que fez história, que lutou por nós, teatrantes de hoje é uma sensação incrível. Fazer história com eles então, participando da gravação do DVD da peça, não tem preço. Por isso as sensações são multiplas e intraduzíveis. Eu estava me libertanto e entrando em contato com a verdade.
O que eu ganhei com isso? Sinceramente não me cabe responder aqui. Ninguém entenderia, ninguém. Apenas quem se livrou do seu pudor e entrou em contato com o "exterior" do ser humano é que sabe, é que sente. E não ligo realmente que me chamem de louca. 
Eu os entendo e por isso não os critico. 
Logicamente que todos tem a sua opinião. Vai ter gente que vai dizer que é loucura, que é jogada de marketing para vender ingresso, vai ter gente que vai dizer que é putaria. Deixe que digam, que pensem e que falem! O ser humano é um bicho questionador desde sempre. 
O que importa (para mim) são os meus motivos, os meus valores e os meus por que's e ponto. 
Só entende de verdade quem sente. 
Até quem lê, estuda, analisa, não entende de verdade o sentido do que é "a reação contra o homem vestido". Como tudo na vida, a teoria só é comprovada com a pratica. Quem teoriza demais, nada sente. 

Enfim. Acho que já me estendi demais em comentários e o restante do que vi, do que sei e do que senti, prefiro guardar comigo pro resto da minha vida. 
Desejo essa liberdade pra todo e qualquer ser humano. Desejo que em algum momento de suas vidas o ser humano possa entrar em contato com essa verdade e que perceba que todos nós somos bichos humanos, iguais!


Boa noite.
 

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